quarta-feira, 9 de junho de 2010

Para os meus alunos de estudos amazônicos

Recriando as roças na Amazônia

Técnica de utilização inteligente do terreno e dos recursos naturais dispensa queimadas e protege a biodiversidade
Ensinada por um expert iraniano, uma técnica milenar usada por povos como os astecas pode ajudar ribeirinhos da Amazônia a emitir menos gás carbônico com queimadas na mata para plantar alimentos. A empreitada multicultural aconteceu este mês, quando 32 alunos de 14 comunidades da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Juma (AM), a 227 quilômetros de Manaus, tiveram aulas de permacultura, sistema integrado de uso de recursos naturais.
O termo permacultura foi cunhado pelos australianos Bill Mollison e David Holmgren nos anos 70. O plantio de alimentos representa só uma parte do sistema, que no fundo é uma técnica ancestral de observação e cópia da natureza. "Desenhamos o terreno para que se gaste o mínimo de energia para o máximo de retorno", diz o iraniano Ali Sharif, que passou uma semana na reserva, mantida pela Fundação Amazonas Sustentável (FAS). "Em vez de fazer queimadas e cultivar só um produto, o roceiro tem um mosaico de culturas. Não se queima nada. Derruba-se a capoeira e o plantio é feito no meio da matéria orgânica."
No curso, ribeirinhos dividiram a área do Juma em cinco zonas. A zona zero é a casa do agricultor. Na zona 1 ficam horta, plantas medicinais e caixa d"água. A 2 abriga um pomar e pequenos animais; a 3 foi reservada para o plantio de alimentos e a criação de animais maiores. A zona 4 é dedicada ao extrativismo e a 5 é de floresta, usada apenas para a extração de sementes.
Na zona 3, Sharif e os alunos delimitaram um quadrado de roçado de 65 por 65 metros em seis faixas iguais, na comunidade de Boa Frente. Ali intercalaram cultivos de mandioca com laranjas e até urucum. "A queima acaba com o solo e o lavrador tem de fazer rodízio entre roçados. Quando volta ao primeiro roçado, a colheita já é 50% menor. Na permacultura, planta-se anos num só lugar", diz João Soares Araújo, instrutor da Fundação Daniel Efraim Dazcal, parceira do Instituto de Permacultura do Amazonas, criado por Sharif.
"Eu achei interessante. Em casa temos mais de dez locais de roçado, um distante do outro", disse Denise Brasão de Almeida, de 18 anos, uma das alunas. Outros ribeirinhos encararam a técnica com resistência. "Nossos roçados têm 50 por 30 metros. É pouco para a permacultura. Vamos ter de aumentar o espaço", disse Luana Valente, de 20, que foi às aulas com os filhos Gabriel e Samuel. "Acho que, pelo menos com a mandioca, não dá certo plantar assim", afirmou Marco Antônio Campos, de 34, morador da comunidade Marepaua.
"Na permacultura, a mandioca tem produtividade 90% maior, porque as perdas com chuvas e erosão são menores. Só que, no primeiro ano, o trabalho é grande", explica Messias Brasil, que há cinco anos usa a técnica em Boa Vista do Ramos (AM). Para o diretor-geral da FAS, Virgílio Viana, a permacultura implica mudanças culturais. "O sistema de corte e queima é uma tradição de longa data. Não se muda isso em uma semana."
05 de junho de 2010
Karina Ninni* - Especial para O Estado